Foi fundado o IELA na UFSC
Por Elaine Tavares - Jornalista no OLA – Observatório Latino-americano
16 de agosto de 2006. Já durante a manhã, as paredes do Centro Sócio Econômico da UFSC anunciavam que a América Latina ali estava, e
Quando a noite chegou, a música do compositor e “cantante” venezuelano Alí Primera invadiu o espaço. A poderosa voz acolheu os convidados, com suas letras de protesto contra as injustiças e de esperança numa América Latina unida e soberana. Pelas paredes, as imagens do fotógrafo Ricardo Casarini revelavam a face das gentes originárias. No vídeo de abertura, também produzido por Ricardo, com a parceria de Thomas Bisinger, estava a vida de Abya Yala, refletida nos rostos do povo e, junto com isso, a África, também cativa da dependência e da dominação. Irmã na luta. Um poema palestino lembrou os que caíram sob a opressão e conclamou os vivos à luta. O IELA nascia forte, na placenta mista de política e cultura.
Na platéia misturavam-se pessoas ligadas ao mundo acadêmico e as gentes do povo. Sindicalistas, militantes sociais, estudantes, deputados, políticos, dirigentes de entidades de Ciência e Tecnologia, simpatizantes da causa e da idéia latino-americana. O ex-reitor Rodolfo Pinto da Luz também se fez presente e ressaltou a importância do instituto, assim como o atual presidente da FAPESC, Vladimir Piacentini. A mesa - decorada com mantas bolivianas, bandeira do Brasil, da Gran Colômbia, e do Tawantinsuyo - foi formada pelo ex-reitor e ex-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina, FAPESC, Diomário de Queiroz, pelo Diretor do Centro Sócio Econômico, Maurício Fernandes Pereira e pelo presidente do IELA, Nildo Ouriques.
Diomário de Queiroz abriu a cerimônia falando da necessidade de um instituto como o IELA e do imperativo cada dia maior de se pensar desde a América Latina e de se fortalecer as Ciências Sociais como ciência mesmo. “Para vocês terem uma idéia eu fui citado pelo Tribunal de Contas por ter liberado financiamento para as primeiras Jornadas Bolivarianas, com o argumento de que aquilo não seria uma atividade científica”. Maurício Pereira ressaltou a persistência dos professores Nildo Ouriques e Beatriz Paiva, quando do início das atividades do Observatório Latino-Americano, sempre superando as dificuldades e as limitações que a situação e a estrutura da universidade impõem a quem quer criar o novo.
Por fim, foi a hora do presidente do IELA, Nildo Ouriques, falar. Ressaltando que seguiria a tradição latino-americana do discurso, afirmou que não seria tão demorado quanto os de Fidel e Chávez. Iniciou sua fala reforçando a informação de que este é o primeiro instituto de estudos latino-americanos nas universidades federais e que isso implicava numa certa ambigüidade. “Por um lado, não ocultamos certo orgulho pela iniciativa, pois ela é fruto de persistente e cotidiano trabalho nos últimos três anos no interior do Observatório Latino-Americano, o nosso querido OLA. Foram três anos muito proveitosos e intensos, em que um grupo composto por professores, técnicos-administrativos e estudantes ousou, com pouquíssimos recursos e desmedida ambição, latinoamericanizar a reflexão em ciências sociais sobre a realidade brasileira na UFSC. A ambigüidade de nosso sentimento só é compreensível se considerarmos que seria muito mais útil para o desenvolvimento científico e cultural do Brasil se nossas universidades contassem com outras instituições similares dedicadas exclusivamente ao estudo da realidade e dos problemas latino-americanos. Lamentavelmente, não é assim. São contados e diminutos os centros, núcleos, projetos ou organizações que trabalham nesta área. De certa forma, devemos admitir que uma de nossas tarefas imediatas é superar a solidão daqueles que, na universidade brasileira, trabalham isoladamente quando se dedicam a estudar a América Latina”.
Segundo Nildo, o Brasil sempre esteve de costas para os demais países da América Latina e isso não é mais novidade. Lembrou de conhecidos e importantes intelectuais brasileiros, que apesar de suas convicções à esquerda, sempre preferiram se ancorar nos teóricos europeus ou estadunidenses, reforçando o colonialismo também no mundo das idéias. “Nas ciências sociais e na área tecnológica, a imposição de publicação nas revistas chamadas internacionais – na verdade meras revistas nacionais dos países metropolitanos – foi colonialmente reforçada. O resultado é visível: enquanto nós multiplicamos o número de artigos publicados nas revistas deles e o MEC considera este índice como sinônimo de produção científica, a verdade é que os países centrais se fartam em registrar patentes e os países periféricos, como o Brasil, em pagar royalts pelo uso de tecnologia alheia. Curioso resultado: enquanto publicamos milhares de “papers” nos países centrais, nos tornamos mais e mais dependentes, mais e mais subdesenvolvidos, mais e mais distantes uns dos outros”.
Lembrando o artista uruguaio Joaquim Torres Garcia - que resolveu inverter o mapa da América Latina após decidir a criação da escola artística rio-platense, numa defesa da arte própria, sul-americana - sustentou a sua máxima: “devemos trabalhar com os europeus e não simplesmente reproduzi-los”. Foi Torres Garcia quem desfraldou esta consigna que hoje é o grande lema da Telesur, a rede latino-americana de televisão: nosso norte é o sul. “Creio que o IELA deve ser nossa Escuela del Sur. Mas tampouco pode ser mera repetição do caminho até aqui trilhado por outros latino-americanos. O IELA deve seguir a recomendação de Simón Rodríguez, o mestre de Simon Bolívar e primeiro mestre das Américas, para quem “ou inventamos ou estamos perdidos”. Enfim, os novos problemas estão à espera de um novo tratamento”.
A cerimônia foi encerrada com a fala do representante do Comitê Catarinense de Apoio ao Povo Palestino, Khader Ottman, a declamação de um poema pelo próprio autor, o colombiano Juan Otalora e a projeção de um vídeo realizado pelos professores Paulo Capela e Edgar Matiello, do CDS, que trouxe um olhar latino-americano e libertário sobre o esporte.
Com isso, a sorte está lançada. O IELA nasce amparado pelo trabalho de 15 professores da UFSC e a presença de outros 20 professores brasileiros associados. Além disso, conta com a colaboração regular de mais de 40 professores de 15 países da América Latina. É, como diz o presidente, Nildo Ouriques, uma aposta. Uma ousadia. “Não está escrito que, pela bondade de nossos propósitos, estamos condenados ao êxito. Tampouco que, a exemplo de tantas outras iniciativas, vamos fracassar. Tudo dependerá de nosso esforço e da capacidade de trabalho de cada membro do Instituto e das forças que conseguirmos encontrar na UFSC”.
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