terça-feira, 12 de setembro de 2006

Meninas (e Meninos) de Ouro de todos os dias

- não precisam de títulos


As pessoas que sofrem uma lesão medular traumática, geralmente por acidente, vivem todo um processo de limites à locomoção, passam a ser espectadoras de seu próprio corpo (ou de parte dele), mas tem expectativa de vida sim! Querem voltar a andar, a mexer, a sentir prazer e até mesmo dor, querem fazer xixi sem precisar de sonda e etc... Isso tudo e muito mais! Amar, cantar, dançar, rir, aventurar-se por todo um universo de tentativas, erros e possibilidades de aprender.

Muito diferente de sofrer por aquilo que não se é mais, as pessoas que você vê na rua de cadeira de rodas são as guerreiras que não se fizeram vítima da vida, lutam diariamente para fazerem tarefas básicas para sua sobrevivência e vão mais além: arranjam um jeito para serem felizes. É isso mesmo. É possível ser feliz numa cadeira de rodas! O tempo todo? Claro que não, e quem é sempre feliz?

Estou escrevendo este texto inspirada nos sentimentos que o filme Menina de Ouro me provocaram. Menina de Ouro e Mar Adentro são filmes que têm como tema a eutanásia e escolhem duas pessoas tetraplégicas como personagens principais. Fico me perguntando porque não escolheram qualquer um dos meus amigos “tetras” para retratar a vida da maioria das pessoas que sobreviveram após um acidente traumático que provocou a lesão medular na região cervical. Não querem título de heróis nem de santos, são seres humanos com todas as capacidades cognitivas que estão aprendendo a viver sob um novo ponto de vista, uma outra condição. Muitos relatam momentos em que desistir de viver parecia melhor, depois até riem de si próprios e da incapacidade para tirarem a própria vida. Viver assim talvez exija um pouco mais de paciência, persistência, amor próprio para encarar os preconceitos e humildade para saber a hora de pedir ajuda, entre outros atributos humanos.

Viver, quando se está tetraplégico ou paraplégico, fica mais difícil quando a desinformação leva as pessoas imaginarem que só há tristeza na vida de quem sofre uma lesão na medula. Infelizmente estes dois filmes tão atuais e bem produzidos só reforçam este aspecto, contribuindo com que o rótulo “deficiente físico” torne-se uma carga a mais para as pessoas com difculdades de locomoção.

Anna Paula Feminella – professora de Educação Física – diretora do SINTRASEM (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis) e paraplégica há 2 anos e teve a feliz oportunidade de conviver com muitas pessoas em condições parecidas no Centro Internacional de Pesquisa em Neurociencias e Reabilitação dos Hospitais Sarah, em Brasília.